Venho aqui e vou embora, trazida por uma inspiração soluçada. Leio, trabalho, dirijo, converso e pronto: apareço, escrevo umas linhas. Apareça também, sempre, quando em vez, assim como eu. E seja bem-vindo.

domingo, maio 02, 2010

Sobre arte: a minha e a dos Outros

Este é o início de um quadro em aquarela sobre meninos e pipas. Fazer arte e falar dela resume parcamente duas das minhas grandes preferências. Estou ainda em busca das minhas inspirações, da escola, do movimento artístico, do artista com o qual mais me identifico, mas o que posso adiantar é o gosto nítido pela pintura brasileira. Artisticamente falando, teria sido uma injúria, uma injustiça divina, ter-me feito nascer em outro lugar. Nossas cores, expressões corporais, a robustez dos traços e o tom levemente cubista deles, mas sobretudo nossos temas são muito representativos, dizem bastante do tipo de arte que me acolhe: uma arte com conteúdo, feita com o objetivo de reportar, com um fim quase jornalístico, de revelação de eventos, momentos, principalmente íntimos, anônimos e comuns.

A arte brasileira, em geral, é a história de nossa gente mais ordinária - no sentido de trivial. Tarsila e suas paisagens do morro, do Rio; Di Cavalcanti com suas mulheres misteriosas e robustas; o Portinari dos retirantes, do mestiço; Abelardo da Hora, das esculturas; e mesmo Debret que, se esteticamente em nada se assemelha aos outros, quanto à temática, conta nossa história com sua representação de eventos. A pintores como Debret não se pode negar a alcunha de jornalistas, pois guardaram as estórias de seus tempos por meio do ato de reportar.

Artistas como Pablo Picasso, Juan Gris e Duchamp, por mais que sofram do preconceito de arte estranha" e, muitas vezes, de arte por arte, sem conteúdos, a meu ver ao menos foram decisivos para a elasticidade dos conceitos e a consequente democratização da pintura, do desenho e da escultura. São artistas como eles que me alertam para o fato de que, às vezes, tão mais estética que a aproximação máxima do real é a busca pela representação dele. Em outras palavras: pintar o que pode representar a figura humana pode ser tão importante, tão belo e expressivo quanto retratar apenas aquilo que a revela do modo mais parecido possível. O cubismo é o tipo de movimento que me diz sempre: "jamais tenha vergonha do seu traço, jamais diminua-o diante de outros, pois arte é muito mais do que o que sua cabeça ainda pouco madura pode imaginar".

Cubistas cézannianos, analíticos, sintéticos, e orfistas lidam com nossos limites. Poderia-se auferir até que trabalham com o conceito de gestalt, curiosos, ávidos por saber até que ponto conseguimos distinguir, naquelas linhas fragmentadas, imagens com sentido. Ocorre que é justamente a definição de sentido que está posta em questão. O sentido não é apenas racional e, portanto, não somente "gestáltico", mas estético, dizendo respeito pois àquilo que sinto ao ver ou a que o artista sentiu ao pintar. Fazer sentido nessa arte de fragmento, de movimento, está relacionado às experiências dos agentes produtores da pintura: o artista e o apreciador, agora também atuante.

Não que antes o apreciador não fosse também produtor da pintura, quaisquer coisas nas quais deitemos nossa atenção levam nosso próprio sentido, nossa carga cultura, mas a pintura renascentista ou mesmo a de impressionistas como Monet e Manet, já eram, pode-se dizer, "autoexplicativas", desafiando nossa visão à observância do jogo de luz e sombra, do uso das cores, da semelhança com o real e não à descoberta das formas. Importante esclarecer que também eles, em seus contextos, romperam com o que estava posto, desvendaram as possibilidades da tinta, do linho, dos pincéis. Com a arte aprende-se rápido que jamais se deve pôr uma obra em detrimento da outra, mas compreender que despertam experiências distintas, guiando nossos sentidos a lugares diversos da obra e de nós mesmos.

Quanto aos meus estudos, faltam muito para serem grandes pinturas, mas creio que o mais importante está aprendido: se acaso o pintor consegue admiradores para sua arte, simples que sejam, tanto quanto os retratos na pintura, já se pode considerar grande artista, porque o sustentáculo da arte é o outro. Isso nunca devemos perder de vista, sobretudo em uma sociedade em que os outros são cada vez mais coadjuvantes e nós, protagonistas solitários e pretensiosos. Um remédio para este mundo de monólogos? Arte.

Ensaios para os olhos:

Tarsila do Amaral

Di Cavalcanti

Cândido Portinari

Abelardo da Hora

Bispo do Rosário

Debret

Pablo Picasso

Juan Gris

Marcel Duchamp

Claude Monet

Edouard Manet

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