Venho aqui e vou embora, trazida por uma inspiração soluçada. Leio, trabalho, dirijo, converso e pronto: apareço, escrevo umas linhas. Apareça também, sempre, quando em vez, assim como eu. E seja bem-vindo.

quarta-feira, novembro 11, 2009

O casamento

Os noivos se encontraram no terminal, sim, o noivo viu a noiva antes do casamento. Ia simples, um vestido pastel. O moço combinava com ela em blusa creme, manga comprida, e a calça social marrom, a roupa de domingo. E os amigos brincaram que ele pegasse o primeiro ônibus e a moça, o segundo, a fim de que se cumprisse a tradição da noiva se atrasar. Foram juntos, contudo, e chegaram ao cartório pontualmente. Na sala com ar condicionado, o nervosismo. O canário belga do relógio de passarinhos, na parede, não cantava. Que cantasse, cantasse logo! Os padrinhos deram seus rins para pagar um táxi do Siqueira à Aldeota e não receberam troco, mas chegaram em tempo. Era a hora. Na salinha de casórios, outros cinco casais davam seus sim’s enquanto os poucos parentes revezavam-se na melhor posição para registrar tudo. Terminada a breve cerimônia, mais algumas fotos: “segura o certificado, agora foto de frente e de perfil, muito bem, tá preso, rapaz!”



Estavam casados no papel. Mas não era suficiente. O pastor fora contatado e, na casa da noiva, os preparativos iam chegando com o avançar da hora, parentes, refrigerantes, amigos, arroz, conhecidos, creme de galinha, vizinhos e mais refrigerantes. Onde morava a moça? No Jardim Iracema.


O itinerário: da Aldeota ao terminal do Antonio Bezerra, do outro lado da cidade. Lá buscariam a mãe do noivo que há muito se perdia pelas filas à espera do rapaz. Do Antonio Bezerra mais um ônibus, alguns quarteirões de caminhada e pronto: finalmente chegariam à igreja-casa. Os coletivos não fizeram questão de fazer o itinerário parecer menos comprido, iam lotados, muito lotados. Os noivos, contudo, se divertiam. Riam do aperto, do incômodo, de tudo. Os padrinhos também riam junto daquele sofrimento diário, já que não se podia fazer muito. Longas horas num aperto que, se passava, era rapidamente reposto na próxima parada. Eram as afamadas 6 da tarde. Todos – absolutamente – querem as mesmas coisas: primeiro, voltar para casa, segundo, no PRIMEIRO que passar. Dá no que dá, sardinhas na lata ainda vivem melhor. Mas os noivos, ah, os noivos... nem aí.


No terminal, o noivo encontrou a mãe já à porta de desembarque. A senhorinha dizendo que já andara o terminal inteiro e que agora, se fosse possível, tiraria os calçados e faria o resto do caminho a pé. Um novo ônibus, um novo leve aperto, desta vez, janelas abertas refrescavam um tanto. A viagem foi breve, contudo.


E logo os quarteirões caminhados revelaram uma Fortaleza desconhecida, fora do perímetro diário Maranguape-Benfica-Parquelandia-Parangaba – Maranguape, uma Fortaleza pobre, inicialmente hostil, mas doméstica, familiar, com cadeiras na calçada e Racionais MC rolando no som chiado. Academias e igrejas evangélicas disputavam as esquinas do bairro, quando não entravam em consenso e, aos domingos, o culto ao corpo era trocado pelo louvor a Deus, ali, na mesma salinha das aulas de step.


Cachorros corriam nas ruas, as lanchonetes iam movimentadas: salgados e refrigerantes intercalados com a novela das 8. Eram quase 8 mesmo quando a noiva finalmente chegou, recebida com os sobrinhos cantarolando a marcha nupcial. Os pais da moça se confundiam em meio aos convidados que não paravam de chegar com provisões. Agitação no interior da casa: era preciso, agora sim, por o vestido de festa, retocar a parca maquiagem, preparar a noivnha para o casamento, aquele que a família não deixaria passar sem. Finalmente a noiva demorava e, naquele ritual simples e familiar, o noivo parecia ter realmente entendido a seriedade do compromisso que, juridicamente, já firmara. Agora era sério. A noiva chegou num vestido longo, prateado, feito a sua medida. As manguinhas curtas e o busto levavam um detalhe de renda também prateado. Simples e bonito, bonito por que era simples. Algumas fotos e sorrisos. O altar – a mesinha para por a Bíblia – foi providenciado e as palavras do Pastor foram proferidas: leu Coríntios 13, a passagem do amor, e aquela em que diz que a esposa deve se submeter ao marido e, este, por sua vez, deve amá-la, dizer todos os dias que está bonita, notar quando ela se arruma e não esquecer o dia do casamento.


Os noivos soavam um suor frio, que lhe roeava as orelhas supostamente sussurrando: “agora, não tem volta”. As gentes viam, testemunhavam e, de acordo com o ministro, também Deus estava de olho agora. Retirada a Bíblia do pastor, a mesinha recebeu o arroz, o frango cozido e o creme de galinha com batata palha. Estava servido o jantar dos noivos. O bolo foi fotografado e repartido em vasilhas plásticas. Era hora de ir. A volta igual a ida: caminhada, ônibus, terminal, outro ônibus, mais um terminal e mais um ônibus – lotados todos, à exceção de um. Mas desta vez só os padrinhos e o noivo faziam o trajeto: a noiva voltara de carro, o porta-malas levando a mudança definitiva. Sacolas e malas talvez saudosamente organizadas, não sem o auxilio sôfrego da mãe.


O casamento realmente existiu. Foi ontem a tarde/noite, eu fui a madrinha. Sim, eu estava lá nos ônibus lotados, dando aquele apoio. Eu, Dhenis, Mardônio - que também estava lá, viu! - e Dilson nos conhecemos a uns 8 anos, crescemos juntos desde o grupo aberto. Felicidades, Dilson e Isabel. As cerimônias foram simples, sem luxo, mas quem precisa disso se existe sentimento e disposição. As coisas, irmão, se conseguem, mas o amor de uma pessoa não vem assim como um produto: ele é cultivado, construído, conquistado todos os dias. Amor de esposa e de amigos. Cuide bem dela, e de nós também. Não esqueça.

3 comentários:

Sidney disse...

Queria ter ido, mas não foi possível, mas felicidades Dil, tudo de mais maravilhosos ao casal, um abraço!!!

dhenis disse...

escrita muito boa e fluida. parabéns, acho que o trabalho fnal fez bem ao seu texto.

Don disse...

PUTZ! Esse texto tá muito legal. Sabe aquelas propagandas que são tão legais pela simplicidade que chegam a dar raiva e inveja?
É o caso desse texto.

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