Venho aqui e vou embora, trazida por uma inspiração soluçada. Leio, trabalho, dirijo, converso e pronto: apareço, escrevo umas linhas. Apareça também, sempre, quando em vez, assim como eu. E seja bem-vindo.

sábado, novembro 07, 2009

Eu, Jornalista - cansada e confusa...

Milhões de coisas na cabeça. Quando estou assim não consigo escrever. Sinto-me como um sujeito apavorado que se põe afônico de não saber o que dizer primeiro. A quinta-feira foi difícil, só hoje, sábado, conseguirem narrá-la. Foi um daqueles dias em que você se depara com tantas variáveis de uma constatação aparentemente resoluta que sua cabeça parece inchar feito um balão, de tantas dúvidas e certezas que aparecem. Meio incompreensível, né? Vou clarear as coisas. Detesto aparentar que minha vida se resuma a isso, mas é novamente o Beco.



Desembarquei no Centro hoje às 9 da manhã. Entrei pela tenda fazendo fotos, ali permaneci 30 ou 40 minutos. Atravessei a José de Alencar e fiz compras na C. Rolim. Eram quase onze horas quando subi as escadas do prédio situado no cruzamento da Guilherme Rocha com Floriano Peixoto. No primeiro andar funciona a Sercefor - Secretaria Executiva Regional do Centro: responsável pela palavra da Prefeitura no caso Beco da Poeira. No primeiro andar à esquerda encontro três ou quatro homens portando documentos. Aquela era a tão afamada fila de cadastramento para o prédio da Av. do Imperador. Por um instante, tive novamente a sensação que vem me acompanhando ao longo da pesquisa: a de dejavú do que li, mas não vivi. Relembrei 500 homens e mulheres em filas enormes no sol da José de Alencar há quase 20 anos. Aquele era mais um dos muitos cadastros, e me senti estranhamente parte da História em marcha.


Perguntei pela secretária e fui guiada por diversas mãos a diversos caminhos. Amanda, secretária de Luiza Perdigão me recebe e encaminha para o Dr. Nilo, advogado, com quem já havia tentado conversar. Nosso diálogo foi entre amistoso e tenso, naturalmente. Contudo, certas coisas que me falou soaram tão comprometedoras que repensei interiormente o principio de que não se deve revelar um off jornalístico. Tudo pela ética. Primeiro que a pergunta inicial de Dr. Nilo foi: "Por que você ouviu a Aprovace, se ela foi afastada juridicamente de qualquer decisão que envolva o Beco da Poeira?" Engoli a seco. Quis ver os papéis e o advogado providenciou-me uma cópia do documento. É verdade, a Aprovace está, ao menos legalmente, "fora do páreo".


Ficamos acertados que a pessoa mais indicada para rebater quaisquer críticas da Aprovace era a própria secretária, Luiza Perdigão, que me receberia nesta próxima semana. Reforcei a emergência da entrevista, visto que tenho prazos e que, caso ela não acontecesse, a prefeitura ficaria sem uma declaração oficial. Garantiram-me uma hora marcada na agenda da secretária. Agora é esperar.


Do Centro, segui para a biblioteca Menezes Pimentel, fotografar jornais antigos (acho que descobri um novo hobby!), matérias do Beco que faltaram para ilustrar o livro. Chegando à hemeroteca, toca o celular. Jack de Carvalho na linha, avisando que naquele dia, às duas da tarde, a Aprovace faria um esclarecimento a todos os permissionários dentro da estrutura do "esqueleto", na Tristão Gonçalves. Benção divina ter amigos trabalhando em Tv. Eram uma e meia da tarde. Corri contra o tempo. Voei de volta para o Centro, desci no Joel e pedi dois salgados gordurosos com uma jarra de suco de laranja. O sol secava-me os lábios e a garganta.


Estava exausta, desabei nas cadeiras brancas dentro do "esqueleto". Agora era sentar e aguçar os ouvidos. Câmera fotográfica e gravador já estavam a postos. Pouco mais de 150 pessoas compareceram. Quinze ou mais homens conversavam em círculo, em torno de Amaro, presidente da Aprovace. Pouco antes de iniciar a palestra, conversei com pessoas vizinhas, despretensiosamente. Uma senhora disse-me fazer parte dos 469 que compraram uma vaga no Beco novo e até agora não receberam. Há nove anos espera notícias. Os números que me revelou de certa forma confirmaram o que Dr Nilo havia me dito: tanto a prefeitura quanto a Aprovace parecem desconhecer o valor exato de pessoas que ainda estão para receber boxes. A Aprovace diz 469, a prefeitura chegou a ouvir falar em mais de 800 e a senhora ao meu lado comentou que eram 1.400 pessoas à espera! Outra quantia não bateu com o que me disse a associação. O preço da vaga era fixo em 1.298,00 reais. A senhora, no entanto, disse ter comprado seu box direto da Aprovace e pagou 2.600 por ele.


Não sei o que pensar. Sobre isso, sobre o que ouvi ao longo do dia, tanto na palestra quanto na breve conversa com Dr Nilo. Hoje uma idéia se lançou sobre mim como que mandada do céu: decidi que tanto a conversa com a Aprovace quanto a que terei com a secretária do Centro serão publicadas ipsi literis, em forma de entrevista. É o único meio de reportar sem intervir diretamente. Não quero ter que me posicionar sobre isso.


Por fim, a unica coisa que penso é que pouco me importa quem tem razão nisso ou naquilo. Se devo algo a alguém são aos trabalhadores guerreiros daquela estufa chamada Beco da Poeira. A eles sim, devo um bom livro-reportagem, que de alguma forma guarde na memória a luta dessas pessoas em busca do ganha-pão. Se voltam para casa de ônibus, de carro, de jatinho, pouco me importa, só sei que se essas pessoas chegam às 7 da manhã naquela feira e saem as 7 da noite todos os dias, merecem o meu respeito e a minha dedicação. O topo da cadeira alimentar não é o objeto deste trabalho, definitivamente.


Definitivamente.



*ADENDO: Dada a quantidade de visitas a este post, achei importante apresentar à livre apreciação e interpretação de todos o documento emitido pela Sercefor sobre o afastamento da Aprovace, o exato documento que tive em mãos e que motivou minha reflexão sobre isto na crônica acima.




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4 comentários:

Joatan Junior disse...

Cara Mayara, por acaso leio o seu blog ao pesquisar sobre a APROVACE, no entanto, creio haver um engano quanto ao fastamento legal da entidade de suas responsabilidades sobre o BECO DA POEIRA.

Primeiro, existe um Termo de Ajuste oo1/2001 em que há um acordo entre Prefeitura, Estado e APROVACE quanto à transferencia para a área do "Esqueleto", por isso a PMF não pode simplesmente rasgar e retirar unilateralmente e arbitrariamente a associação do Beco, pois quem representa os permissionários não é a PMF, mas a entidade, inclusive legalmente.

Segundo, acredito que o poder público deve repensar sua política em relação aos ambulantes da cidade e suas representações, respeitando democraticamente suas conquistas e lutas históricas, considerando a sua importãncia econômica. Por isso, propomos um planejamento estratégico para repensarmos o desenvolvimento sustentável do comércio informal do centro de Fortaleza.

Terceiro, o espaço do Beco atual era público e agora é do METROFOR, mas os boxes foram construídos pela APROVACE com recursos dos ambulantes. Portanto, a prefeitura não pode administrar o Beco e retirar a associação, porque a obra não foi construída com recursos públicos, mas particular.

Quarto, não vivemos numa sociedade sem lei, pois o poder público deve agir somente dentro do que a lei permite. No entanto, a APROVACE esteve sempre aberta ao diálogo com a PMF, buscando soluções para o ordenamento e disciplinamento do comércio ambulante, sem desrespeitar é claro a vontade dos ambulantes.

Mas a prefeitura preferiu se aproveitar e estimular a divisão dos ambulantes, tratando-os com preconceito e de forma marginal, elegendo inclusive outra associação totalmente submissa como interlocutora nas questões do Beco. E assim, não respeitando os espaços de representação e legitimidade dos movimentos sociais.

São muitas as considerações e não é possível descrevê-las todas aqui, mas já foi um começo. Obrigado!

Dhenis disse...

legal ver os comentários acima sobre a crônica...concordo com muitas das ponderaçoes, mas para mim, não se pode afirmar que haja um engano na crônica, uma vez que a medida de afastamento existe e foi aprovada nas instâncias superiores.
já saber se esse afastamento, ele sim, foi um engano ou não, aí já é outra coisa. ou seja, o engano não é da crônica.
acho interessante a leitura e os comentários do relaçoes públicas da aprovace, so escrevo para reparar o engano deste.

p.s.: nao tenho nada contra ninguém, só comento em defesa da crônica e do debate, só isso!

vanggellys disse...

A APROVACE, não foi afastada juridicamente, até porque existe uma ação de execução do Termo de Ajuste de Conduta, onde ainda não houve nenhuma decisão judicial, bem como, a ação de reitegração de posse interposta pelo Município ( cujo o objeto é afastamento da APROVACE),foi enviada à 4ª Vara da Fazenda Pública por conexão e o juiz da mesma, como anteriormente mencionado, ainda não prolatou a sua decisão.
Agora parece que no Brasil, somente existe um poder, qual seja o executivo e este faz o que bem quer, da forma como entende ser melhor, passando por cima do poder Judiciário, pois quando se fala que a questão do Beco já está resolvida e que a APROVACE está de fora, claramente existe um comportamento de desprezo para com a decisão judicial que ainda há de ser proferida.

Mayara Carol Araujo disse...

Fico contente de que as discussões aconteçam por aqui e reforço a todos que procuram por notícias da Aprovace neste blog que está à disposição o espaço de comentários para esclarecimentos e desabafos, tanto os que sejam a favor da instituição como da prefeitura.

Gostaria apenas de deixar claro que o que reporto na crônica acima é apenas o que ouvi e vi de um dos representantes da prefeitura.
Novamente, como jornalista, meu papel é ser canal das opiniões, mediadora. Como disse anteriormente, não intento envolver-me pessoalmente, desejo apenas que o debate aconteça e se expanda a todos.

Obrigada aos visitantes.
A Autora.

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