Venho aqui e vou embora, trazida por uma inspiração soluçada. Leio, trabalho, dirijo, converso e pronto: apareço, escrevo umas linhas. Apareça também, sempre, quando em vez, assim como eu. E seja bem-vindo.

quarta-feira, setembro 16, 2009

Sobre o pensamento e o gravador

Já disse e pensei isso muitas vezes: queria demais poder escrever ao falar. Entende? Ir pensando e o pensamento sair escrito, sabe? E a voz do pensamento sair traduzida em texto, assim direto, por que tem coisas que penso e falo com essa voz do pensamento que saem tão bem ditas e tão logo - puft! - se apagam.


Talvez por isso eu às vezes pareça falar sozinha. Eu queria gravar tudo, eu já pense nisso, mas não é possível. Primeiro por que a voz do pensamento falada não é a mesma e depois, ainda que fosse, nesse mundo em que a gente vive é proibido falar sozinho. Já perceberam isso? É proibido.


Aí as pessoas que querem pensar alto põem fones de ouvido e fingem que estão ao telefone ou cantando uma canção. Eu já fiz isso. Mas nã é a mesma coisa. Até cantar com fones de ouvido é constrangedor. Pensando melhor, cantar de qualquer jeito no meio da rua é constrangedor. Ainda sim, eu vou gravar, qualquer dia desses, as minhas memórias em duas dúzias de fitas, feito o Milk, aquele, o político Harvey Milk, o do filme. É bonito vê-lo na cozinha da casa dele, gravando aquelas fitas com o microfoninho na mão. Pra mim não foi só bonito, foi como um estalo, um Eureka. Talvez um dia, quando eu não tiver vergonha de fazer isso e constatar que estou ridiculamente - e não sei por que ridiculamente - falando sozinha para um gravador eu o faça.


Talvez quem leia - se é que alguém realmente lê essas coisas - pense: mas você não já está fazendo isso quando escreve o blog? Sim, tem toda razão, eu responderia. Mas eu ainda tenho medo. Ainda acho que, no fim das contas, essa informação toda na rede ainda vai explodir com toda a internet e eu vou perder tudo. Perder a minha vida em palavras soltas, algumas vezes - como esta vez - escritas somente aqui. Este texto eu perderia com certeza. E eu não sei se quero perdê-lo. Não que eu não perca as fitas, talvez as perca como foi com os pedaços de papéis e guardanapos, como foi com algumas cartas e bilhetes e desenhos e rabiscos que não gostaria de ter perdido.


Talvez perca. Talvez não faça por vergonha. E continue ouvindo a voz da cabeça me falar de coisas que eu gostaria de ter escrito, sacadas nas quais gostaria de ter pensado. Mas fui eu quem pensou, não foi? Foi, mas  se não está escrito em canto nenhum, ipsi literis, como posso provar?


Vai ficar pra quando inventarem o tão-esperado-por-mim aparelhinho que traduz pensamentos em escrita.

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