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quarta-feira, dezembro 10, 2008

Exploração costurada

Siga a linha tristemente lógica desta rede de exploração: na manhã de hoje, 10 de dezembro, faltando quinze dias para o Natal, mais de 70 policiais militares foram destacados para uma mega-operação contra a pirataria em plena avenida 25 de março, a metrópole da comercialização de produtos “genéricos” (ou, para ser bem regional, o que o Beco da Poeira quer ser quando crescer). Os relógios marcavam 7 da manhã quando os policiais sequer permitiram que o shopping abrisse as portas. Vendedores do lado de fora, mais de 50 lojas revistadas e produtos apreendidos que, segundo Nelson Vieira, advogado das multinacionais “contratantes” da busca, encheriam em torno de sete caminhões(vide portal G1)!

De pé das sete ao meio-dia, de olho no trabalho dos recrutas, oficiais de justiça e representantes de nove multinacionais fabricantes de materiais esportivos garantiam o relatório completo do cumprimento dos quatro mandados de busca e apreensão solicitados pelas ditas cujas. Nike, Adidas, Puma, Reebook, Louis Vuitton, Chanel, Dior, Levis e Everlast suspeitavam – vejam só – que na 25 de março acontecesse a venda de falsificações de suas marcas – não diga!

Segundo os próprios representantes destas empresas, como a Nike, o combate à pirataria é encampado com esmero não só por gerar prejuízos financeiros, mas por trazer danos a saúde do usuário. De fato, quantos trabalhadores e trabalhadoras saem para a labuta fazendo uso de tênis falsificados, sem conforto ou segurança necessários para agüentar o dia-a-dia puxado de uma fábrica, por exemplo?

Imagina-se então que as crianças de 14 anos (até de 12) que trabalham em tempo integral nas fábricas da Nike na Indonésia devem usar pisantes muito confortáveis. Os funcionariozinhos não têm condições humanas de trabalho, sofrem abusos verbais, pressão psicológica para cumprimento de cotas, riscos à saúde pelo contato com produtos tóxicos; trabalham 12 horas por dia, seis dias por semana, costurando bolas e camisas, cerca de 230 horas de serviço mensal só de horas-extras, mas os pisantes...

Repare a costura da lógica de exploração: o trabalhador de carteira assinada é explorado e recebe parcos salários; desemboca, então, no trabalho informal, em que é explorado pela práxis cotidiana do vale-tudo urbano, sujeita a roubos, acidentes, apreensão do rapa, concorrência desleal e nenhum tipo de garantia além do, também parco, lucro; o cidadão resolve, pois, trabalhar nos shoppings populares, o estabelecimento dá ares de segurança, mas o emprego ainda não concede garantias, muda apenas o explorador: os chineses; o chinês que é processado pela multinacional acusado de pirataria, exploração da marca alheia, por consequência, duas firmas chinesas e três lojas em Xangai tiveram de pagar , em agosto deste ano, mais de 46 mil dólares de indenização além de pedir desculpas em público a Nike, marca, por sua vez, denunciada por violação dos direitos trabalhistas em suas fábricas na Índia (em que maior parte dos explorados são mães solteiras e suas filhas), Indonésia, Tailândia, Paquistão e – veja só – China.

Nesta trama, não há mocinhos ou bandidos, são cegos guiando cegos, ou por outra, corruptos guiando corruptos, enquanto explorados guiam explorados, ao mesmo tempo em que exploradores furtam outros exploradores.

Aos que praticam esportes: as costuras de suas camisas, bonés e chuteiras nunca mais serão as mesmas.

Veja ainda:

Entrevista de Michael Moore com Phil Knight, o dono da Nike:
http://www.angelfire.com/art/antinike/outro.htm

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