Venho aqui e vou embora, trazida por uma inspiração soluçada. Leio, trabalho, dirijo, converso e pronto: apareço, escrevo umas linhas. Apareça também, sempre, quando em vez, assim como eu. E seja bem-vindo.

domingo, novembro 22, 2009

Natal de Luzes ou Um Dia de Espectadora

Estou devendo esta crônica desde o Natal de Luz, na praça do Ferreira. Preparei-me para isto hoje. A casa está relativamente sozinha e o neon do poste refletido na sala de estar traz de volta a memória amarelada da noite de sexta, a noite em fui espectadora e não protagonista.



Existem dias em que não somos protagonistas, mas espectadores. São aqueles em que tudo ocorre a nossa volta, mas não para nós. O mundo está reluzente, acolhedor, interessante ao modo das mulheres grávidas, mas não para nós somente. Não somos o epicentro. Aquele fora um dia desses.


Às seis da tarde quase noite desembarquei em um Centro de Fortaleza diferente daquele de meses atrás. É novembro e o espírito natalino que nos coça os bolsos mantêm abertas as portas das lojas até que hajam criaturas às ruas. Caminho num Centro acordado, desperto apesar dos postes que tornam a vida urbana amarela e negra. Há outros coloridos, no entanto. Pisca-piscas, bolas, enfeites. É natal no Centro, é natal na praça do Ferreira. Estou indo ao encontro dele, para vê-lo chegar. O natal, contudo, já está comigo.

Eu lhe assisto nos funcionários da Insinuante que amigavelmente, levados por aquela ressaca de cansaço das 6 da tarde, reparam o movimento, desejando uma cervejinha no fim do expediente. A conversa amistosa já é o happy hour. Dali a pouco também eles descerão à Ferreira. Eu assisto ao Natal nas pessoas que, como eles, escolheram rumar para o coração da cidade naquela noite ao invés de voltarem para suas casas, seus mundos, em detrimento da violência e da má fama do Centro. O natal está comigo, encantada de poder caminhar por estas ruas à noite e reparar a dinâmica. Quero-lhe tudo: as cores, os ares, os cheiros. Ah, os cheiros do Centro! A General Sampaio tem sabor de batata frita, a Liberato Barroso de churrasquinho e a Floriano Peixoto , já esquina com a praça do Ferreira, hoje tem sabor de acarajé. Isso mesmo, acarajé. Até uma baiana desenterrou-se no dia de hoje e veio pôr seu tabuleiro para esquentar a língua nos passantes. Quando cheguei, as cadeirinhas em torno da mulata iam lotadas e o panelão do recheio tinha de ser emborcado e raspado para render nova porção. Se era da Bahia mesmo, ninguém sabe, pouco interessa. O negócio da negra ia de vento em poupa.


Em dias como esse, em que a cidade se permite feriar por uma noite, é intrigante como pensamos todos nos mesmos itinerários. Vide os primeiros de janeiro em que todos – absolutamente – vão à praia. Àquele dia, havia-me decidido chegar relativamente cedo e, antes de inundar-me da programação de Natal, deliciar tranquilamente um bom pastel com caldo de cana no Leão do Sul.


Toda a Fortaleza – absolutamente – pensou o mesmo.


Havia gentes no Leão como se aquele fosse o único estabelecimento de comidas existente num raio de um quilometro – pelo menos. Eles e a baiana, lógico. De tal modo que, se decidissem cobrar 4 contos ao invés de 2,50 pelo pastel, certamente venderiam sem reclames. Os clientes estavam ali para comer, não para poupar. Àquela noite era uma questão de princípios, entende? Para mim também. Meti-me na longa fila e garanti: meu alimento e minha honra aos princípios.


Na longa caminhada entre o Leão do Sul e um bom lugar para me aconchegar, milhões de protagonistas contavam-me histórias. E esta crônica era escrita na minha cabeça a cada circunstância interessante, feito grávida. Impressionante como esta expressão cabe a este dia.


Os vendedores, de fato, desceram as ruas e estavam lá depois do expediente puxado com suas fardas de todos os tipos encontrando-se com outras pessoas, arrumadas, cabelos molhados, perfumadas, as que conseguiram dar um pulinho em casa antes de estar ali. Casais se buscavam, procurando indicações em qualquer lugar; e solteiros se indicavam para quem os quisesse encontrar.


E quantas crianças! E quantos pais. Milhares deles, cada um com uma explicação mais criativa de por que estavam ali, de quem era, afinal, o tal Papai Noel e de como ele chegaria. E eu assisti agradecida a tantos desses momentos mágicos, filmados de relance entre uma passada e outra. Quando crescer, aquele menininho do cabelo surfista montado nos ombros do pai não saberá de mim, mas eu saberei onde, quando e como ele aprendeu o que é o Natal. Grata, muito grata.


A espera, contudo, tornou a noite de muitas daquelas crianças um tormento. Muitas se cansaram, algumas dormiram nos colos de mães e pais, e outras tantas se perderam na multidão. A chegada do bom velhinho, marcada para as 18 horas aconteceu às 20. Demorou, mas chegou.


Do Papai Noel mesmo não vi nada. Minha baixeza não me permitiu este prazer. Naquela hora torci por não ter filhos, o coitadinho jamais veria algo ainda que montado em meus ombros, uma pena mesmo. Mas o Papai Noel estava lá. As crianças me disseram. O apresentador do evento, Paulinho Leme, ainda procurava o Papai Noel – rogando a Deus que o operador do canhão de luz o ajudasse – quando as crianças o acharam. Já gritavam o seu nome, já sentiam a sua presença. Tão logo os adultos também, infantis agora, começaram a chamar por ele, numa permissão gostosa: era inevitável render-se àquela presença e, se as crianças acreditavam, ora bolas, quem ia dizer que era tudo mentira, uma farsa, um invento do capitalismo? Papai Noel existiu ali e eu o vi.


Depois de choro e muita vela, o bom velhinho conseguiu chegar ao palco. Dali prosseguiram os cerimoniais. As crianças cantavam num Excelsior belíssimo, ao qual revisitarei sempre nos vídeos gravados no celular. Bendita seja a tecnologia.


O que estava bom ficou melhor com a companhia. Amigos e Amor sabem aquecer os dias, esquentar as cores de qualquer narrativa. E foi maravilhoso ter pessoas por perto para dividir aquele momento de estar junto, não era justo ficar só naquela noite. Não naquela noite.


Aí São Luiz, Luzes, 3D, Papais Noeis assaltando o cinema, canetas digitais estragando a pintura do prédio alheio, espera, empurrão, cansaço, fome, espera, mais empurrão, e logo depois: Vanessa da Mata.


Indizível. Perdão a todos, era preciso estar lá pra dizer o que foi, não saberei explicar a beleza daquele momento. Tal qual como o Papai Noel, eu não a vi. Os telões me faziam pensar que eu nem precisava estar lá, era como um DVD ao vivo. Tolo pensamento, burro, muito burro. De Vanessa da Mata ao vivo eu vi apenas os cabelos e vestido esvoaçantes quando Dh me ergueu pela cintura feito criança, mas a presença... Ela estava lá, sua presença coloriu tudo, transformou tudo, aperfeiçoou a noite. Chegou o Natal. Agora do que lembro é do vento no meu rosto, do vento gostoso que só se sente na praça do Ferreira levando consigo uma voz gostosa de ouvir, de dançar, de amar, de sorrir e ser feliz. E me orgulhei de ser brasileira quando vi aquela moça cantar o Carimbó, e ganhei o dia quando ela cantou pra mim a canção que me faz lembrar Você, que faz lembrar A Gente. A versão dos Los Hermanos é melhor, mas foi uma belíssima tentativa, Vanessa. Parabéns.


A noite caiu e as dez da noite chegaram depressa. Na volta, a jornalista de livro terminado viu uma cena que nunca havia presenciado em quatro meses de vivência em campo: um Beco da Poeira adormecido, o Beco à noite. Lá dentro, umas luzes acesas, a claridade de uma TV ligada na rua da pirataria. Quis entrar, ah, como quis chegar mais perto. Os meninos, contudo, jamais aceitariam. Andei devagar, registrando com os olhos.


No ônibus, para fechar o natal de luzes, o destino reiterou-me a verdade de que àquele dia eu não era protagonista e assisti numa ligação ao nascimento de uma euforia, de um escarcéu, de uma revolução que só pode provir dos apaixonados. Nuns olhos de uma pessoa discreta, mas apaixonada – certamente, eu vi as luzes de um outro Natal.


E Jesus não é amor, afinal?


Chegava o Natal naqueles olhos que, enfim, iam poder dizer “eu te amo” sem ouvir silêncio em troca.


A quem não compreender o final, perdões. Fica a essência, fica a presença. Saibam apenas que algo bonito aconteceu ali. A quem entendeu, felicidades. Juízo. Tranqüilidade.... E bom proveito.


Feliz Natal a todos.


Que essas mesmas luzes brilhem mais, antes e depois do 25 de dezembro, certamente o aniversariante agradece.

1 comentários:

Sidney disse...

Sem palavras, vim escrever porque não quero mais passar pelos seus textos sem deixar nenhum registro, perfeito, amiga, perfeito!!!

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