Venho aqui e vou embora, trazida por uma inspiração soluçada. Leio, trabalho, dirijo, converso e pronto: apareço, escrevo umas linhas. Apareça também, sempre, quando em vez, assim como eu. E seja bem-vindo.

terça-feira, novembro 17, 2009

Eu quero ver heróis para além dos atletas

Somos jovens traidores, sem perspectiva. Sujamos o mundo, e o mercado percebe quão lucrativo é sujá-lo. Agora o mesmo mundo corre atrás de ser auto-sustentável, procurando em qualquer buraco um manual de instrução. Comemos porcaria e ensinamos pro mercado como é lucrativo comer porcaria. Reclamamos da Malhação, mas até os personagens da novelinha teen parecem mais mobilizados que nós. Nossa geração do fim dos anos 80 começo dos 90 não teve os melhores desenhos nem programas de tv, não teve as melhores bandas nem os melhores acontecimentos. Nossa geração não soube dar continuidade às revoluções em série. Não tivemos um herói que não fosse fantasia: da Tv, dos quadrinhos, dos filmes. Aliás, esses heróis não são nossos, mas da geração dos nossos irmãos e amigos mais velhos, do início dos anos 80.



Criamos jovens que querem desesperadamente a quem seguir, pra saciar suas síndromes - síncopes - de Twitter e, de repente, qualquer personagem de um livro que chegue à trilogia está valendo. Não há complexidade nas tramas, não há talento propriamente. E os jovenzinhos se vestem igual aos personagens, mimetizam tudo, e por fim ainda têm a ousadia medíocre de pôr Harry Potter e a obra de Tolkien no mesmo patamar, como farinhas do mesmo saco.


O rock nacional está às baratas, é uma bosta mesmo, uma bosta. Foi digerido pelas gravadoras que só estão com os bolsos cheios por que a nossa geração e a que nos sucede gostam disso! Gostam dos 4 acordes que combinam demais com a letra que o produtor escreveu ali mesmo no estúdio, minutos antes de gravar. Ninguém estuda mais violão, bateria, baixo pra montar uma banda? Onde estão os caras do ídolos que não chegaram à final? Onde estão os bons cantores de barzinho, com qualquer labareda de amor à música e ao dom de ser músico? Cadê as bandas de garagem? Onde está aquela moça de nome esquisito que me emocionou no Fama a uns anos atrás? O único que se salvou de ser engolido pelo esquecimento foi o tal do Exaltasamba, que ajudou a estragar a única banda de pagode que eu aguentava ouvir.


Los Hermanos acabou e eu não vejo quem os substitua. Eu sinto falta das letras que morreram no grupo que decidiu se apartar. Sinto pelos abortos cometidos quando da apartação enquanto escuto os CDs antigos e viajo nas letras.


Estou envergonhada. Sinto vergonha da minha geração e da que me sucede. Desespera-me ver como somos previsíveis, como tudo o que falamos já foi dito, as discussões não evoluem. Como nossas conversas sérias são baseadas em heróis, anti-heróis e teóricos que, em geral, não são nossos contemporâneos. Nossa geração não questionou o vestibular, mas se rendeu à brincadeirinha lucrativa das escolas particulares de nos usarem na corrida pelo primeiro lugar.


Recado às próximas gerações: O PRIMEIRO E O ÚLTIMO LUGAR ESTUDAM NA MESMA SALA, ISSO NÃO VALE NADA, NADA! Em duas semanas, eu lhes garanto, todas as colocações estarão esquecidas!


Não acho, contudo, não acho mesmo que todo jovem tenha a obrigação de ser politizado e revolucionário e isso e aquilo, na verdade, não defendo obrigação nenhuma. Pelo contrário: queria vê-los mais espontâneos, autônomos. Menos robôs seguindo fórmulas prontas, tribos prontas, em que se têm milhões de regras... Queria conseguir chegar pra um jovem de 15, 17 anos, perguntar: "Do que você gosta? Quais suas áreas de interesse?" e ele me responder de pronto, com força de caráter, sem que houvesse um silêncio enoooooooorme de intervalo!


Quero ver jovens sendo espontaneamente artistas ou guerrilheiros, atletas ou líderes religiosos, quero vê-los sabendo opinar sobre coisas de que gostem muito, sobre planos, carreiras, projetos.


2010 nós já sabemos como vai ser: carnaval, Copa do Mundo, eleição. Todos os 3 nos divertem. A eleição, então... um feriadão que custa caro. A ressaca deste dia dura 4 anos. E a política nacional, uma diarréia comparada à bosta do rock, nos ensina que entender de política é muito difícil, quando quem está lá em cima, em geral, não sabe muita coisa, por que não pretende fazer muita coisa (e eu não falo de escolaridade, não, isso não é uma brincadeira com o Lula, muito pelo contrário). Não é preciso ser cientista social para ser político, não que isso não ajude e muito. É importante ter estudos, uma carreira voltada para isso. Já pensou chegar para um jovem e perguntar: "O que você quer ser quando crescer?" e ele te responder: "um líder político.", sem ser pelo salário no fim do mês? Mas para ser líder político o que ele precisará e muito é de vontade política, força de caráter, coragem!


Eu sinto falta disso. Eu não serei esta pessoa, mas espero por ela no meio dos jovens, com toda a minha força. Eu quero ver os universitários viajando suas viagens para além dos muros dos campe, onde só a polícia federal os pode deter. Eu quero vê-los investindo os impostos da sociedade e o dinheiro dos seus bolsos num país melhor e não só num carro melhor ou numa vida melhor. Eu quero poder fazer isso também.


E quero mais tarde, quando lembrar dessa geração, poder recordar heróis que vi nascer e ter a certeza de que não eram só atletas das olimpíadas.


Eu quero ver heróis e fazer parte dessa onda de heroísmo com o que eu puder.




Citando as citações



"Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder. Ideologia, eu quero uma pra viver" Cazuza.


Eu quero pessoas que escrevam coisas como essa pra eu ouvir.





"Cresça, Aída Isabel, e floresça. Estamos muito precisados de flores, de moças e de vir-a-ser" Drummond de Andrade, em uma crônica sobre o nascimento de uma entiada.


Todos nós somos Aída Isabel.



2 comentários:

Dhenis disse...

infelizmente voce tem razao. aconselho ver o discurso de cristovam buarque de quinta-feira no senado, onde ate mesmo estes que parecem ter o poder na mão (leia-se presidente)se apequenam por medo de assumir um compromisso com o mundo e nao com seus partidos e com as proximas eleicoes. Acho que temos herois, um nordestino, pobre, metalúrgico - e olha q nem gosto tanto dele assim - que conseguiu chegar ao poder, um negro que se tornou chefe do maior pais racista do mundo, o diplomata brasileiro Sergio Vieria de Melo... enfim... acho que temos herois, mas eles nao vendem, eles nao sao sujos e mal educados, nem tem superpoderes, e quem promoveria um heroi que pareça conoco, para que todos nos achemos que um dia, nos também podemos fazer algo pelo mundo...
perdao pelo excesso de palavras, mas a sua pergunta (provocaçao) também me incomoda, de longa data, e serviram como um dedo na garganta, so botei pra fora.

Desculpa.

O Que Desperta a sua Ira? « Sophos disse...

[...] um dos heróis da geração anos 80, Renato Russo e Legião Urbana. Baseado num post da Mayara ( http://mayaraujo.wordpress.com/2009/11/17/eu-quero-ver-herois-para-alem-dos-atletas/ ) onde ela questiona a falta de exemplos, de vozes que falam o que queríamos falar, acontece que [...]

Postar um comentário

// compartilhe

Share |